A DITADURA DOS CARTÉIS - ANATOMIA DE UM SUBDESENVOLVIMENTO
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Paulo Márcio de Mello
EMPRESA CIDADÃ
– Nestes tempos em que empresários são acusados de ameaçar seus colaboradores como terroristas, falando em até...
Empresa Cidadã / 18:22 - 23 de out de 2018Siga o Monitor no twitter.com/sigaomonitor
– Nestes tempos em que empresários são acusados de ameaçar seus colaboradores como terroristas, falando em até fechar empresas e acabar com os empregos se este ou aquele candidato não for eleito, tenho a certeza de que já houve expressões mais qualificadas de lideranças empresariais.
– Sem a pretensão de me lembrar de todos os casos, nem tampouco com a ilusão de mitificar homens que, ao lado de feitos memoráveis para a construção de uma base digna para a indústria nacional, também cometeram erros, recordo-me aqui da corajosa e ousada resistência, patriótica mesmo, de Einar Kok (Abdib) e dos irmãos Vilares (Abimaq).– São expoentes no esforço de construir a indústria no Brasil, como Euvaldo Lodi, Belmiro Siqueira, Arthur João Donato, Antônio Ermínio de Moraes ou Jones Santos Neves, que assumiram o orgulho patriótico, sem réplicas ridículas de estátua da liberdade na porta das empresas, mas dignos continuadores do legado de Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá.
– Acrescente-se à relação José Mindlin, Ricardo Semler (virou a própria mesa) e Kurt Rudolf Mirow. Deste último, emprestei o título desta coluna, que em plena ditadura, publicou o livro A ditadura dos cartéis, Anatomia de um subdesenvolvimento, pela Editora Civilização Brasileira, em 1977. O livro foi um dos símbolos da resistência ao regime autoritário, sobretudo por desfazer a imagem construída pelos donos do poder de então, da “ilha de tranquilidade” em um mar turbulento.
– Em A ditadura dos cartéis, Kurt Mirow analisou aspectos dos processos de cartelização de vários setores da economia. Na origem de tudo, a ambição de Thomas Edison que, em 1878, fundou a Edison Electric Company, para explorar a patente da lâmpada elétrica, da qual foi um dos inventores (o outro foi Joseph Swan, inglês), e que para tanto firmou uma cooperação com o capital financeiro representado por J.P.Morgan para atuarem neste mercado tecnológico de ponta, em forte processo de expansão.
Briga de cachorro grande
– A busca pela consolidação do oligopólio teve mais um movimento importante, ainda em 1878, com a assinatura do ajuste entre a Edison General Electric, a The Thomson International Electric Co e a The Thomson Houston Electric Co. O ajuste, conhecido como Electric Power Industries Supply of Electrical Equipment and Competitive Conditions, criou condições para o surgimento, em 15 de abril de 1892, da General Electric Company (GE), através da fusão das duas primeiras. Edison exacerbou suas táticas agressivas na guerra comercial, entre elas o suborno, a sabotagem, o dumping (redução do preço de venda, até quebrar o concorrente para, a partir daí, praticar o preço que desejar) e manipulação de informações com manobras especulativas, até obter a desvalorização das ações do concorrente em Bolsa de Valores.
– Somente um concorrente ousou competir com a GE, a Westinghouse Electric &Manufacturing Company, consolidada em 1891, após aquisições de patentes e de diversas firmas. Depois de ter sido atacado por alguns desses expedientes do concorrente, George Westinghouse, que se recusava a assinar acordos de divisão de mercados com a GE, foi golpeado pelos bancos a que teve de recorrer, o Mellon Bank (sede em Pittsburgh) e o Kuhn & Loeb (sede em Nova York) e apeado do controle da Westinghouse.
– Com a capitulação da Westinghouse, em 1896, foi realizado o primeiro patent pool (acordo para a utilização mútua de patentes), através do qual a GE detinha 62,5% das patentes fornecidas, e a Westinghouse, 37,5%, no que seria a base para a divisão dos mercados mundiais.
– Mas a terra ainda não estava totalmente arrasada. Restavam fora do patent pool algumas empresas menores. Para dominá-las, foi estruturado o primeiro cartel de produtores de lâmpadas elétricas, denominado Incandescent Lamp Manufacturing Association (ILMA), paradigma de outros cartéis que seriam estruturados nos anos seguintes, razão do domínio industrial experimentado por grandes corporações, predominantemente norte-americanas.
– Segundo Kurt Mirow, é também a origem da tantas vezes repetida referência à “superior capacidade gerencial das grandes corporações”.
O uso do cachimbo
– Participavam do cartel da ILMA a GE, a Westinghouse e mais dez empresas menores. Em 1901, as dez empresas menores fundiram-se na National Electric Lamp Company, que teve um aporte correspondente a 72% das ações ordinárias realizado pela GE, com opção de compra em 1910. Assim, a GE alcançou o controle de 80% do mercado norte-americano de lâmpadas, sendo 42% através dela própria e 38% através da National.
Uma sentença histórica
– A chamada “Conspiração da indústria elétrica” resultou em muitos processos judiciais contra seus membros, julgados em 1963, pelo juiz Ganey (Filadélfia), que assim se manifestou sobre o caso: “Estamos diante de um exemplo chocante de procedimento criminoso de vastos setores de nossa economia. O que está em jogo é o nosso sistema econômico de livre iniciativa. Os acusados destruíram as alternativas que hoje oferecemos como membro do mundo livre ao capitalismo de Estado, ao socialismo e à eventual ditadura”.
– Em resposta a quase 2 mil processos de perdas e danos, milhões de dólares foram pagos em indenizações pelas grandes corporações, condenadas. Em setembro de 1974, a revista especializada Business Week assim publicou: “Jamais foi observada tamanha falta de ética entre renomados homens de negócios.”
Paulo Márcio de Mello é professor aposentado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).