
VIA ÁPIA
Noite de autógrafos - 19-01-202
O Projeto Mais Leitura esteve presente na palestra do jovem escritor Geovani Martins no SESC de Piracicaba no último dia 19-01. O Projeto Mais Leitura acompanha a trajetória do autor desde que lançou o seu primeiro livro “Sol na cabeça”, pela Cia das Letras.
Em 2018 esteve na Flip fazendo, praticamente, seu lançamento
No Sesc de Piracicaba veio falar sobre o seu segundo livro
“Via Ápia”. Também publicado pela Cia das Letras.
Foram várias intervenções para lembrar a trajetória e o
sucesso alcançado.
A livraria Nobel compareceu para a noite de autógrafos
Acompanhem os comentários de Mikaella Pereira da Silva, do site LITERAFRO
Via Ápia: a Rocinha é o mundo!
.
Via Ápia, é o primeiro romance escrito por Geovani Martins. Seu livro anterior, O sol na cabeça, lançado em 2018, reúne treze contos que tomam como cenário a cidade do Rio de Janeiro e abordam temas polêmicos como o uso de drogas, a vida de crianças e adolescentes na favela e a discriminação racial. Lançado por uma grande editora, O sol na cabeça deu visibilidade nacional ao autor, hoje uma das revelações da ficção brasileira contemporânea.
Em Via Ápia, nome de uma das
ruas mais movimentadas da comunidade, o romance, aprofunda ainda
mais essas temáticas, e toma como eixo central a visão de cinco
jovens sobre a instalação da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) e suas
implicações na vida dos moradores da Rocinha.
O livro é
dividido em três partes datadas: a primeira parte traz a expectativa da chegada
da UPP; a segunda, as implicações que a instalação trouxe para a vida dos
moradores; e a terceira aborda a saída da polícia e a volta dos bailes funk.
Cada
parte apresenta em comum as mudanças ocorridas não apenas no espaço em que
vivem, mas também na vida dos personagens e em suas perspectivas de vida e
sonhos.
Além
disso, com uma linguagem recheada de gírias presentes na oralidade carioca, o
autor cria uma aproximação entre leitores e os personagens Wesley e
Washington – que são irmãos –, além dos amigos Murilo, Douglas e Biel, e os transporta para uma
verdadeira roda de conversa narrada pelos garotos.
A
abordagem, às vezes cômica, possui temáticas sérias sobre a vida de jovens
pretos e favelados e como eles são vistos pela sociedade, a dificuldade de
estarem em locais frequentados majoritariamente por pessoas brancas e ricas, as
desigualdades sociais e a violência sofrida nos embates com a polícia.
Na favela
da Rocinha, esses personagens enfrentam as preocupações que os cercam, como a
de manterem as despesas da casa junto com suas mães ou se virarem sozinhos. Mas
a obra não se detém somente nos problemas enfrentados e se volta também para os
sonhos e a vontade de crescer profissionalmente e de criar perspectivas de vida
melhores.
Em meio
aos conflitos da vida cotidiana, eles se divertem e encenam durante o
texto o uso da maconha que perpassa toda a história, descrito inicialmente de
maneira mais constante, associada à liberdade, e depois, com a chegada da
UPP, à atenção e ao medo cotidiano de serem “pegos com flagrante”; em
seguida, à escassez e à dificuldade da entrada da droga numa das
comunidades mais visadas do Rio de Janeiro. Por outro lado, a repressão provoca
a rarefação da oferta e, consequentemente, a perda de qualidade do
produto, o comércio diminui, mas não os impede de continuarem utilizando.
Dentre os
cincos personagens principais, é importante destacar o papel da mãe de Wesley e
Washington para a criação dos dois irmãos. Mãe solo, Dona Marli, é empregada
doméstica, criou os dois filhos sozinha e, assim como muitas mães pretas
moradoras da favela, aconselha para que eles tomem cuidado ao usar drogas, com
medo de que fossem presos ou “virassem bandidos”, pois, sabia como eram as
abordagens policiais dos jovens pretos. Criou os dois para que trabalhassem e
buscassem empregos de maior estabilidade, com carteira de trabalho
assinada.
Entretanto,
Dona Marli também é o retrato da mãe afetada pela desigualdade social e que
demonstra o cansaço de ter passado uma vida inteira trabalhando para os outros
e não ter conquistado algo só seu, como a casa própria:
– Eu não vou pagar aluguel a vida toda não, meu filho, não mesmo.
Daqui a pouco fico velha, não posso mais trabalhar, vou fazer o quê? Preciso
garantir logo um canto pra mim.
O fato de
a mãe ter começado a trabalhar antes dos dez anos de idade e mesmo assim não
ter uma casa própria sempre deixava Washington cheio de ódio desse mundo.
(MARTINS, 2022, p. 44-45).
A
indignação dos filhos em relação à vida que a mãe leva evidencia as
desigualdades sociais sofridas desde cedo e serve de motivação para os dois
trabalharem buscando realizar a vontade dela.
Por
apresentar sempre a perspectiva de um dos personagens, o texto nos permite
notar a diversidade dos moradores que vivem na Rocinha, além de nos aproximar
de suas vivências, seus dramas e alegrias. É através deles que se pode conhecer
os espaços, a vida corriqueira dos trabalhadores e a existência de uma
hierarquia de comando dentro da comunidade que possibilita uma sensação de
proteção, bem diferente da sensação presente com a invasão da polícia,
provocando tensão pelo constante estado de alerta ao caminharem entre as ruas e
becos daquele espaço.
Geovani
escreve o livro sobre a favela, para a favela e para todos que se interessam em
entender um pouco mais sobre esse ambiente. Ao inscrever, através dos seus
personagens, a perspectiva
de dentro da comunidade ele mostra os preconceitos que cercam
os moradores desse espaço. A distribuição dos exemplares dentro das
comunidades, como tem feito, dá a chance de as pessoas se conectarem às obras
literárias e seus personagens, reconhecendo as lutas em comum. Por mais que a
história se passe entre os anos 2011 e 2012, é possível perceber que grandes
questões sociais ainda permanecem. A tragédia que assola a vida de Dona Marli e
Wesley ao perderem Washington por uma bala perdida a caminho do
trabalho, por exemplo, continua assombrando milhares de famílias em todas as
partes do país, mas sabemos quem essas balas perdidas sempre acertam com mais
frequência e em quais regiões e, o pior, que essas vítimas acabam por serem
apenas uma estatística.
E é a
partir de seu romance que as pessoas de fora daquela realidade, podem
questionar como e se foi realmente necessária a intervenção policial dentro da
comunidade. Ao longo da história, nós percebemos que as balas atravessam toda a
Segunda Parte e afastam as pessoas da rua, de seus espaços, gerando um silêncio
incômodo no morro. Não se vê mais moto táxis e comércios foram fechados pelo
medo da ação policial. Diferentemente da Primeira Parte em que se encontram
apenas jovens tentando viver de seu trabalho e se reunindo para assistirem
um futebol e fumar um “beck” tranquilos após um dia cansativo, livres para
circularem e curtirem uma praia com os amigos.
É através
de Via Ápia que descobrimos que “A Rocinha é o mundo”!
Belo Horizonte, junho de 2023.
Referência
MARTINS,
Geovani. Via Ápia. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.
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* Mikaella Pereira da
Silva é graduada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais (PUC-Minas) e mestranda em Letras, Literatura de Língua Portuguesa, pela
mesma Instituição.
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