
TORTO ARADO - autor: Itamar Vieira Junior
Voltamos ao tema da obra de Itamar Vieira, agora com os comentários de Caroline Florindo.
Um arado torto: representação da força, do trabalho, da luta por terras e pertencimento de comunidades negras da
Chapada Diamantina.
Por Caroline Florindo
Em
meio a pandemia de Covid-19
circulava pelas redes
diversos grupos e clubes de livros para a leitura de “Torto
Arado”. Duas de minhas melhores amigas liam simultaneamente e conversavam sobre
o tema em minha presença, mesmo que eu não fizesse parte da febre de leitura
coletiva da obra de Itamar Vieira Junior, um nome praticamente novo na cena
literária brasileira.
Naquele momento não
me interessei pelo livro. Estava mergulhada em outros assuntos e temas.
Contudo, sabendo minimamente do enredo, achei curioso, e um tanto quanto
audacioso, um homem retratar a vida e dores
de duas mulheres. Não compreendi o alvoroço em torno da história, quase
que clichê, do sofrimento do povo da região semiárida do Nordeste Brasileiro. Havia
tantos outros livros, tantos outros autores que exploraram o tema com
profundidade. O que aquele livro tinha de diferente? Guardei em mim a dúvida,
deixei passar o tempo.
Cinco
anos após sua primeira edição,
quando já não era mais assunto, lá estava ele, me olhando fixamente, na prateleira
de livros de minha mãe. Uma capa simples e imponente, com duas mulheres pretas
de mãos dadas segurando, cada uma, uma espada de São Jorge. Era curioso o fato
de que, na ilustração, os rostos não foram retratados. Ociosa, decidi folhear
suas páginas. Como se ele me convidasse para a leitura, mergulhei na história
de Bibiana e Belonísia. Mergulhei em uma história intensa e surpreendente.
O livro é impactante desde a primeira cena, descrita por Bibiana,
quando ela e sua irmã encontram um perigoso objeto na velha mala da avó,
Donana. O objeto, que desperta
curiosidade e desejo nas personagens, causa um ferimento grave em ambas,
mudando o rumo de suas vidas para sempre.
Itamar
Vieira Junior conquistou uma alteridade potente. Itamar
me surpreendeu com a capacidade de dar voz a mulheres
empoderadas. Empoderadas, resistentes, fortes, mesmo diante de tanto
sofrimento.
Na primeira parte
do livro, Bibiana, a irmã mais velha, relata a vida na tapera, mesclando seus
sentimentos às nuances
de uma paisagem agrícola, sofrida,
do trabalho no campo, da pobreza, da seca, da
história de sua família e de seu pai: Zeca Chapéu Grande. Na segunda parte, Belonísia nos
apresenta a luta dos trabalhadores pela terra, uma terra ancestral. Belonísia
representa a resiliência, muitas vezes silenciosa, do povo escravizado.
Na última parte da
obra literária, o autor encontra na religiosidade, explorada e descrita em
muitas cenas do livro, o personagem inusitado capaz
de retratar uma vida para além do tempo-espaço, do recorte
escolhido, possibilitando uma contextualização histórica culminada em uma
escravidão moderna e do racismo estrutural enraizado na sociedade brasileira.
Durante
a leitura, esqueci de Itamar. Minha comunicação direta com as narradoras/personagens
se tornou íntima. Daqueles livros que te deixam órfã, arrebatada. Ao fechar a
última página, compreendi a necessidade latente das muitas pessoas em ler e discutir os assuntos explorados no
livro.
Racismo, violência de gênero, desigualdade social, trabalho análogo à
escravidão, comunidade quilombola, religiões de matriz africana, ancestralidade
e comunidades quilombolas são alguns dos temas abordados. O livro é fundamental
para uma formação social igualitária, antirracista e progressista. É essencial
para a vida.
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